"Um dia eu estava andando na Afonso Pena e um homem chegou do nada e me deu um tapa. O que você quer aqui seu preto africano? Volta para o seu País!”, lembra Jovani Nkakata Miguel, de 25 anos, sobre a descoberta do preconceito em Campo Grande.
O angolano vive no Brasil há cinco anos e relata situações que parecem coisa de filme, mas não são. Incomodado com a xenofobia e o racismo, ele enviou uma mensagem ao Lado B sugerindo colocar o assunto em pauta.
Os momentos que ele lembra ter passado na cidade são tão absurdos e atrasados que fica até difícil acreditar. Jovani é negro e quando escolheu Campo Grande não esperava ver tanto preconceito, seja ele velado ou escancarado.
Ele diz que, como em todo o lugar, há exceções no comportamento entre os campo-grandenses. Mas das cidades que já conheceu, como Rio de Janeiro ou Florianópolis, aqui é onde ele mais convive com a discriminação, afirma.
Com o sonho de se tornar piloto de avião, veio para Brasil para tirar o certificado. Encontrou duas escolas, uma em Florianópolis e outra em Campo Grande. Escolheu a capital sul-mato-grossense pela curiosidade de conhecer uma região do País da qual não tinha qualquer informação.
“Florianópolis eu já conhecia, mas Campo Grande chamou atenção por ser uma cidade anônima. A gente escuta falar muito pouco dela. Eu vi as fotos, gostei da cidade e vim. Aqui é muito bom de morar, é uma cidade calma, não tem muitos problemas. Porém, às vezes as pessoas não percebem, mas não é uma cidade acolhedora”, avalia.
Entre as situações que já viveu, algumas chegaram à polícia. O angolano sofreu um golpe de um mototaxista por ser estrangeiro. Deu uma nota de R$ 50,00, não recebeu o troco e quando foi perguntar o que havia acontecido foi insultado, recebeu ameaças e o caso acabou com boletim de ocorrência.
Mas o que mais perturba Jovani é o preconceito cotidiano, dos comentários ao tratamento desigual em questões corriqueiras, como a ida até uma loja de roupas ou mesmo comentários no ônibus ou nas baladas. “É complicado. Já entrei em loja e não fui atendido e questionei rapazes no ônibus que comentavam sobre a minha cor. Eles responderam com ofensas, me chamaram de macaco, chipanzé”, conta.
Segundo ele, até quem não tem nada de branco trata os negros de maneira diferente. “Em nenhum outro lugar eu vi pessoas com a pele morena e um poder aquisitivo maior serem tão racistas”, observa.
Quando terminou o curso de piloto, o mercado já estava difícil para todos os formados na área. Com os cursos técnicos de contabilista, gestor, ciências físicas e biológicas e dois idiomas no currículo, inglês e francês, ele encontrou muita dificuldade para arrumar trabalho nas áreas de formação, fatores que ele atribui ao preconceito.
A força para conviver com as situações desagradáveis ele diz encontrar na esposa que conheceu por aqui.
“Não sei se sou o único a falar isso, mas eu vivo isso. Eu ainda estou aqui pela minha esposa, porque já não me sinto bem”.
Reportagem reproduzida //www.campograndenews.com.br