Autor: Carlos Siqueira, presidente nacional do PSB
O governo federal, como é de conhecimento geral, baixou decreto que estabelece intervenção federal na área de segurança pública, com o objetivo de “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública no Estado do Rio de Janeiro”.
A iniciativa, curiosamente, acaba por criar a ambiência que a torna um fato, uma vez que, se o próprio governo federal indica existir uma desordem de tal magnitude, que mereça sua intervenção direta, como lhe fazer oposição?
O que decorre inicialmente do ato presidencial é, portanto, uma mobilização da opinião pública em torno de tema sensível para todos os habitantes daquela unidade federada. Havia, contudo, razões objetivas para que se tomasse a medida?
Aparentemente não, na justa medida em que a criminalidade que se procura combater não teve um recrudescimento absurdo, quer no carnaval, quer em período de tempo imediatamente anterior. A sensação de insegurança, contudo, é preponderante no sentimento popular, o que se pode considerar legítimo. Por outro lado, o próprio governador Luiz Fernando Pezão admitiu a perda de controle sobre a situação, o que por si mesmo cria uma justificativa para a intervenção.
Note-se, contudo, que a par do sentimento de insegurança, se trata da mesmíssima violência que se abate sobre o Estado por décadas, acentuada pela ausência de preparo e de planejamento da polícia, algo reconhecido pelo próprio governador. Os atores continuam os mesmos, tendo como contribuição relevante e recente, é bem certo, o aumento desenfreado da corrupção, que alcançou o governo e alguns agentes públicos, levando à suspensão de pagamento de salários e de fornecedores, interrupção na prestação de serviços públicos etc.
São fatores a relevar, ainda, que o Rio de Janeiro se veja diante de uma polícia desaparelhada, exposta de forma diuturna ao poderio, inclusive financeiro, do crime organizado; desmotivada, mal treinada, acuada territorialmente. A intervenção terá tempo de atuar sobre essas questões?
No âmbito do próprio governo federal, por outro lado, há medidas por tomar uma vez que o Brasil não é produtor de armas ou drogas que chegam ao País em decorrência de uma fiscalização de fronteiras insuficiente, associada à baixa intensidade das operações de inteligência, que seriam necessárias a sua adequada execução.
Sobre o cenário geral, o que de fato é mais relevante encontra pouca repercussão: a ausência criminosa de Estado, na concepção e implementação de políticas sociais, que ofereçam especialmente aos jovens – ainda que não só – vida digna, possibilidades concretas de educação, trabalho, lazer, emprego e renda que possibilitem às famílias se organizarem como tal, em lugar de se verem diante de uma luta incruenta pela sobrevivência, cuja desesperança degrada, e cuja degradação confere às trajetórias criminosas um fascínio contra o qual se torna difícil concorrer.
Se a eficácia que se pode esperar está limitada pelos fatores apontados acima; se a repressão é obviamente necessária, quando se trata de crime organizado, é preciso manter a atenção, também, sobre os riscos.
O quanto pode interessar ao País colocar a imagem do Exército em tamanha proximidade com um problema de ordem interna, sabendo-se de antemão do poder econômico do crime organizado? Tendo os meios, o armamento e o poder dissuasivo, as tropas que vão ser mobilizadas detêm a lógica do combate ao crime, em sua expressão comezinha, diária?
As Forças Armadas estão vocacionadas ao enfrentamento do inimigo externo, à defesa do território. O fato de que elas se vejam convocadas com a finalidade de conter um avanço, mesmo que hipotético da criminalidade, obriga a pensar se estão, do ponto de vista institucional e funcional, aparelhadas para a missão.
O que fazer? A tarefa principal das forças políticas minimamente responsáveis é impedir que uma situação diagnosticada como excepcional dê margem a iniciativas de exceção que, por certo, acabarão por atingir proporcionalmente mais os que hoje já padecem da violência.
Se o decreto presidencial lograr aprovação em sua tramitação, será responsabilidade do Parlamento zelar para que os efeitos negativos da medida não ocorram. Os parlamentares da bancada do Partido Socialista Brasileiro – PSB têm, nessas circunstâncias, liberdade para apreciar e decidir sobre a matéria, que é naturalmente complexa. Não faltarão, contudo, à responsabilidade de acompanhar todos seus desdobramentos, que interessam de perto à população do Rio de Janeiro e à democracia brasileira como um todo.